Esse texto foi produzido pela querida amiga Mariana Ramos, do blog Feixe de Luz, cuja leitura recomendo.
Algo, em algum ponto da sua vida, cobriu-te de um manto tão escuro, tão pesado e tão duro que sua luz não mais se faz vista.
Este manto é tecido dos fios mais ácidos da crueldade: ele é feito do que é comum; do que é aceitável e esperado. Ele é feito de ternos, gravatas, carteiras, bolsas caras; é feito de diplomas em cursos decididos por seus pais, ou casamentos mantidos por conforto. É tecido em dor aplainada, em lágrimas engolidas, perdidas entre as gotas da água do chuveiro. É feito em memórias esquecidas e nostalgia reprimida. Suas fibras são de dor guardada, e suas cores são cinzentas, amarronzadas e sua poeira, de pele morta, deixa todos sempre com a mesma cor.
O lado interno deste manto é surpreendentemente confortável: transmite segurança. Andar pela manhã, rodeado de pessoas com o mesmo manto é uma sensação tão reconfortante que quase ninguém tem coragem de olhar por de sob o manto. Os poucos que tentaram, sentiram-se imediatamente enjoados, como se a alma fosse escapar-lhe do corpo. Seus olhos se arregalaram e o estômago encheu-se imediatamente de borboletas. E não havia nada para ver, pois nunca havia ninguém mais olhando para fora do manto naquele momento. Então, voltava-se para dentro do manto como se nada houvesse acontecido.
E então, houve o Dia Em Que Alguém Tirou O Manto. Foi apenas uma pessoa, mas a luz que se seguiu foi tão forte, tão avassaladora que todos os prédios da avenida pareceram tingidos de outra cor.
Ninguém viu.
Mas aquele Alguém nunca mais colocou seu manto de volta. Sua luz brilhou forte e os prédios da avenida permaneceram coloridos até o dia em que outro alguém teve coragem de olhar por de sob o manto. E desta vez, pela primeira vez, houve algo para ver.
Este alguém venceu a dor, e arrancou seu manto. A alma exposta brilhou, tão forte quanto a primeira. Juntos, brilharam tanto que a luz conseguiu, talvez apenas um pouco, penetrar por entre as fibras dos mantos de quem permanecia encasulado.
Mais alguém sem manto. E outro. E outro.
Os prédios daquela avenida, hoje em dia, têm cores que não podem ser descritas. As pessoas, de alma desnuda, conversam como crianças, sem medo. Riem até sentirem dor. Há quem faça arte. Há quem viaje, e há quem apenas contemple as nuvens quando estão diferentes no céu, ou observe como pequenas plantas conseguem vencer o concreto duro no chão.
Não há mais quem ande de cabeça baixa, com os olhos presos num retângulo brilhante. Não há mais quem volte para um lar mentiroso; não há mais quem não sorria pela manhã, e não há mais ninguém que não brilhe, não naquele pequeno pedaço do mundo.
Foi sua carreira? Seus pais? Seu casamento? Sua ambição constante? Talvez a necessidade de suprimir seus sentimentos que lhe foi imposta desde a infância? Há muito o que se pode guardar dentro de um terno bem cortado.
O que foi que lhe roubou a luz?
Tire seu manto.
Aqui fora, tudo brilha. Brilhe, brilhe!
Imagem de Mystic Art Design por Pixabay