Do Crescer

Saudações, meu mais querido amigo e algoz.

Desejo do fundo do meu coração que esta carta chegue às suas mãos em condições favoráveis. Que você e seus familiares estejam em paz e gozando de saúde.

Sei que me demorei a escrever essa primeira carta, mas até poucos minutos atrás não me sentia preparado para escrevê-la, embora sentisse que era chegada a hora.

O tempo passou, mas não percebi o aprofundamento das marcas no rosto, a descoloração dos cabelos – a não ser quando as pessoas comentavam -, ou mesmo o arredondamento da circunferência abdominal – embora a esposa sempre fizesse questão de lembrar -, e sinceramente não lamentei por não ter percebido essas transformações.

O corpo dava sinais de envelhecimento, mas sem enxergar, ainda me considerava o adolescente que saía a noite para conversar com os amigos ou que os recebia em casa para um bate papo casual. No meu caso, porém, aqueles amigos estavam distantes no tempo e espaço, como se pertencessem a outra dimensão.

E quando eu parava para refletir sobre isso, sobre esse distanciamento, me sentia como alguém que via a si mesmo, como descrito naqueles relatos sobre experiências extra-corpóreas. Era eu, mas ao mesmo tempo não era.

Quando era mais novo, imaginava que nossas vidas fossem marcadas por transições claras. Que haveria um momento, talvez um aniversário, no qual as coisas mudassem drasticamente e eu passasse e me considerar mais velho… crescido.

É, mas parece que essas coisas não acontecem assim. Não existe um momento transicional que o faz sentir-se mais velho, ou pelo menos não normalmente, não sem aqueles grandes traumas que podem nos sequelar para sempre, ou ainda, essa possa ser apenas a minha percepção dessa experiência.

Sem essas definições claras, esses marcos transicionais que eu imaginava que pudessem acontecer, como eu sei que cresci?

Você deve lembrar bem de nossa infância. Aquele desejo estranho de usar óculos, a diversão que era ler um dicionário para aprender palavras difíceis e incorporá-las ao nosso repertório, somente para parecer mais velho, mais maduro, mais crescido.

Lembro que também bebíamos para parecer mais adultos. Alguns amigos até mesmo fumavam, achando que os mais velhos os levariam mais a sério. Como estávamos enganados. Éramos apenas atores em nossas próprias produções.

A transição então vem devagar… embora nem sempre.

Foi então que comecei a pensar que o crescimento começa a vir com o começo do pagamento das contas, quando descobrimos que a roupa, a louça e a casa não se limpam sozinhos e que temos responsabilidades.

Talvez seja isso.

O crescimento nada mais seja do que o acúmulo de responsabilidades, o ter suas próprias contas para pagar, e honrar seus compromissos.

Talvez seja isso.

E seja também entender que outras pessoas dependem de você, seja diretamente ou indiretamente, e assumir o compromisso de importar-se com elas.

Talvez seja isso.

Mas pode ser muito mais.

O verdadeiro crescimento pode ser aquele que esteja atrelado a consciência de suas responsabilidades, mas que ainda nos permita manter traços de nossa infância, um pouco de nossa inocência, com muito de nossa curiosidade.

Crescer talvez seja entender que o mundo é formado por diversas pessoas diversas, e que não são as suas opções sexuais, a cor de sua pele, ou sua classe social que as tornam melhores ou piores.

Talvez seja isso, ou não!

Até breve, meu mais amado amigo e algoz.

Em breve lhe escreverei novamente.


Imagem de Free-Photos por Pixabay 

2 comentários

    1. Muito obrigado pelo seu comentário, meu amigo.
      Seja bem vindo à Luz do Candeeiro.

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