O pior cego…

Já faz um bom tempo que venho matutando com meus botões sobre um texto como esse e sobre a necessidade dele em tempos como esses.

Muito possivelmente falei isso em uma divagação filosófica durante alguma dessas conversas que mais se assemelham a epifanias:

Precisamos enxergar com olhos cegos.

Entendo que isso soe extremamente absurdo, mas creio que em nossos dias, talvez não menos do que em outros, essa afirmação possa fazer sentido.

Videntes, conseguimos ver, fazemos uso de nossas vistas, portanto, somos seres visuais. Em nossa sociedade, todos aqueles que não possuem esse sentido, seja por nunca o terem tido ou por terem sido privados dele em algum momento de suas vidas, são considerados anormais, ou seja, aqueles que se desviam claramente da norma e precisam lutar todos os dias para serem incluídos na sociedade, que via de regra não sabe como lidar com eles.

Por enxergar, nos debruçamos sobre mares de vaidade e julgamos o nosso irmão pela roupa que veste, pelo calçado que deveria proteger os seus pés, pelo tipo de seu cabelo, pelas tatuagens que usa, pela cor de sua pele e julgamos todos aqueles que são diferentes de nós mesmos com o fervor dos donos da verdade.

Nos consideramos os baluartes da verdade. Os protetores dos nossos valores. Infalíveis e possivelmente inspirados por alguma graça divina. Não aceitamos o diferente, mesmo sendo os dedos de nossas próprias mãos tão diversos.

O dom da visão nos cega.

Nos cega e nos torna insensíveis. Nos cega e nos faz crer que somos mais do que isso: deuses.

Somos deuses de nós mesmos. De nosso destino. Controladores de tudo e de todos. Capazes de fazer o próprio universo dobrar-se à nossa vontade. Somos sem dúvida, os piores cegos, pois de olhos abertos, nos recusamos a enxergar.

Sinto que cada vez mais precisamos fechar os olhos, ouvir com atenção, sentir o cheiro, degustar e sentir a textura do que nos cerca. Precisamos nos tornar mais sensíveis para o que nos cerca e nos rodeia, pois os olhos normalmente nos traem.

A fé em dias melhores dificilmente sobrevive ao que vemos todos os dias, mas pode perseverar e se fortalecer se nos abrirmos aos outros sentidos.

Uma imagem vale mais do que mil palavras.

Contudo, nem sempre isso é verdade, principalmente quando elas podem ser, tão facilmente manipuladas ao retratar uma situação. Principalmente quando elas são usadas como provas irrefutáveis de crimes nunca cometidos.

Os olhos, que nunca se fartam de ver, são porta escancarada para a vaidade, para o achar-se superior, para o julgar aqueles que são diferentes.

Precisamos urgentemente enxergar o mundo com os olhos de um cego, analisando-o sob a ótica de outros sentidos, e não daquele que nos remete à aparência e nos induz a julgamentos.

Somente fechando os olhos, poderemos enxergar os nossos irmãos.

Somente fechando os olhos, poderemos ser iguais e aprender sobre essência, descartando a enganadora aparência.

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